terça-feira, 22 de setembro de 2009

Um bom dia para escrever um péssimo dia para viver

Após minha demonstração de falta de habilidade com o novo clip stick que geraram sorrisos marotos dos "espeleólogos" (rapeleiros) do curso na FERCAL. Abortei a missão de subir pela Libélua e acompanhei Julio na subida pela "leve trilha" que facilmente chega a uma via de 4º.
Todos sabem o quanto estávamos empolgados em escalar a via Tráfego Aéreo (6º) que já havia nos deixado na mão em uma ida anterior a Fercal (relato "aberta a temporada de vôos). Julio chegou decidido:
–Vou equipar a primeira solando.
A necessidade suicida de nosso amigo já é conhecida por todos e mesmo com o clip stick na mão ele estava decidido. Como bom amigo que sou coloquei a trilha sonora adequada: banda Apocalíptica tocando "Nothing else matter", pois violinos são ótima pedida para funerais.
O clima era perfeito, a música era perfeita, a via era perfeita e Julio seguiu com ritmo e tranqüilidade que me lembravam a mina do Dean Potter (Steph Davis) solando. Clipou a primeira costura para alívio da musculatura do esfíncter do seg e seguiu. Julio já estava próximo à terceira proteção e de repente grita:
–Desce, desce, desce rápido!!! Porra abelha!!!


Desci Julio na velocidade permitida pelo Gri-gri e logo estávamos ambos andando em círculos fugindo de um enxame de abelhas. Julio estava com ferrões grudados na cara, na cabeça, e barriga. Eu levei uma no pescoço. Após idas e vindas das abelhas, Julio acende um cigarro de palha na crença popular de que fumaça espanta abelha. Nesse momento o inchaço e vermelhidão dos olhos de Julio assustavam e veio a constatação, "02 costuras e a corda na via cheia de abelhas".

Álvaro já se comunicava conosco do topo da libélula, perguntou se estava tudo bem e comunicamos o ocorrido o que gerou risadas infames.
Ficamos alguns minutos calculando o melhor procedimento para recuperação do equipamento (desde entrar por uma via do outro lado da pedra, o bom e velho rapel do cordelete, e se agente tivesse asas? e outros delírios).
–Rodolfo, Rodolfo... você está bem!?

Todos na base da via Sem Noção percebo que Rodolfo está com a moral derrubada pela surra na Libélula. Batata como escalador empolgado resolve equipar a via e mostrar como se passa o primeiro movimento (mamilos, pé direito péssimo). Equipou com quedas e isolou os movimentos.


Chamei Rodolfo para me dar seg resgatando a parceria vitoriosa que nos levou a várias cadenas em Sete Lagoas. Tentei fazer o primeiro movimento como o Álvaro ensinou e não rolou ai tive a brilhante idéia de entrar pela direta como havia feito antes. Álvaro falou a célebre frase:
–Pode até entrar assim, só não pode cair porque a pendulada é foda.
Eu estava decidido, entre bem subi até a altura de costurar, mas meus pés e pernas tremiam tanto que não conseguia. Meu óculos caiu, tentei descer um pouco e falei :
–Rodolfo trava que eu vou cair!!!
Pendulei de uma vez, choquei com Rodolfo, cai perto do chão por cima dele e neste trajeto ouvi um som seco. Era a cabeça de Rodolfo batendo na pedra.
–Rodolfo, Rodolfo... você está bem!?
Rodolfo meio grog dava sinais de que a pancada foi forte, mas ele sobreviveria. Após piadas de sempre resolvemos parar um pouco e comer.

Rebekka como uma tradicional alemã trouxe um salsichão e queijo suficiente para alimentar uma família de 10 pessoas. Só faltava cerveja e suspensórios. Julio ainda entrou na via, mas apenas até a metade pois estava se poupando para a recuperação do equipamento.


Eu e Julio colocamos os anourakes, fechamos os capuzes, óculos escuros e fomos para a missão das abelhas. Nesse momento a temperatura deveria estar próxima dos 30c° e diversos membros do curso de espeleologia já estavam transitando pelo local colocando inúmeras cordas, mosquetões e fitas que me lembravam as ascensões do K2 que eu vi em vídeos.
Julio novamente na via passou pelas proteções já costuradas, equipou a terceira e chegou ao topo. Nesse momento a barriga existente na pedra não me permitia mais vê-lo e fiquei com os ouvidos atentos esperando o clipar da corda na última costura. Nada de som. Sem comunicação fiquei em posição para travar o gri-gri e para caçar a corda caso ele caísse. Enfim ouvi a costurada e travei Julio para os procedimentos.
Ao olhar para cima a imagem era desesperadora. Julio inteiramente rodeado de abelhas que batiam no anourake, nas pernas até na sapata. Urubus rondando no céu e rapeleiros admirados e falando alto, pedi educadamente:
–Faz silêncio ai galera o cara tá rodeado de abelhas.
–Vixi é verdade, desculpa ai.
O silêncio reinava e cada movimento de Julio era seguido de minutos de paralisia total para tentar acalmar as abelhas. De repente inicia-se um som de sirene, era o maldito gavião sirene, velho conhecido. Seu som característico deu lugar a um piar semelhante a uma gargalhada intensa a ponto de perder o ar. Na certa havia nos reconhecido da outra investida na via. Na seg as abelhas me rodeavam, fiquei parado e meditando na crença de que a mente é capaz de espantar abelhas.
Julio terminou o procedimento e eu o desci rápido. Nunca vi alguém soltar um "nó oito" tão rápido: - Pega tudo ai que eu já levei picadas demais. Recolhi todo equipamento e me juntei ao grupo na Sem noção. Jamais o nome de uma via fez tanto sentido para mim. Tráfego aéreo de abelhas, urubus, gaviões, marimbondos.
A presença de Julio e inúmeras abelhas deu início a um outro auvoroço de abelhas em um enxame na base da via Mestre dos Magos. O mundo fora tomado por abelhas!!!
Álvaro e Rodolfo deixaram o orgulho de lado e pediram para usar a corda fixa dos rapeleiros para fugir dali. Com muita generosidade eles deixaram. Julio desceu correndo pela trilha, Rebekka foi primeiro no rapel (cavalheirismo ou falta de coragem dos marmanjos???) seguida pelo Rodolfo.
Estávamos eu e Álvaro na fila do rapel quando pensei, "Geralmente todas as merdas acontecem comigo, hoje tudo deu errado, eu sou o último nesse rapel, vou acabar caindo lá embaixo". Ponderei entre a possibilidade de quebrar uma perna na trilha e morrer no rapel e escolhi a trilha.
Lá embaixo todos juntos e Julio exausto pelo calor e ainda cercado de abelhas. Agradecemos a galera da espeleologia e vazamos pela trilha. Reiteirei o capuz e ao passar pelas "abelhas cachorras" na trilha (parede das vias Brutus e Neolítico) meu cabelo foi tomado por elas. Felizmente essas abelhas não picam, mas mordem.
Julio tirou as vestimentas, estava com as mãos inchadas, a cara inchada e sua camiseta devia ter um litro de suor. Já na estrada de chão, todos erguendo as mãos aos céus e agradecendo a vida e de repente passa a galera do MotoCross levantando poeira forte. Dos males o menor, antes sujo e vivo que limpo e morto.
Tomamos aquela coca-cola gelada no boteco acompanhada de meio quilo de salsichão da Rebekka que havia sobrado e entramos no carro.
Como disse Álvaro:
–Um bom dia para escrever um péssimo dia para viver.


Leia também Desce, desce, desce rápido!

3 comentários:

Patricia disse...

Gostaria de comentar que apesar de ter perguntado 3 vezes antes do Esdras sair de casa se ele "realmente ia escalar" pois choveu a noite inteira, não tenho nada a ver com os acontecimentos de sábado!!
BJOS

Sérgio disse...

Olá amigos!moro no Rio de Janeiro, estive com Rafael Passos aqui em minha casa! e o mesmo me falou muito bem da Fercal! ultima mente tenho pesquisado sobre escalada nos melhores setores de Brasilia e Goiás!quero dar Parabéns pelo blog! adorei!se estiverem no Facebook me adicionem por lá!Sergio Santos.
meu e-mail: escalarepreciso@hotmail.com
boas escaladas hermanos!

Alvaro Alvares disse...

Valeu Sérgio!